Sua missão é abater outra aeronave em condição de invasora.
O desafio é pilotar essas máquinas de combate.
São 3:30 da madrugada, e uma névoa fina e gelada paira no pampa gaúcho. Na base aérea sede do 1º Esquadrão do 14º Grupo de Aviação de Caça, só as sentinelas e a luz intermitente da torre de controle dão mostras de que existe ser vivente. É quando tudo desperta, de súbito acordado por uma gritante sirene que corta o ar gelado da madrugada.
No alojamento, uma luz vermelha gira, sinistra, refletindo nas paredes e nos beliches, de onde pulam dois vultos, como fantasmas, esfregando os olhos para espantar o sono e correm para a porta, pulando com uma perna só, enquanto a outra entra pela calça.
Já no corredor, calçam apressados os coturnos, enfiando os braços pela gandola e segurando entre os dentes os trajes anti-G. O grito estridente continua, e a luz vermelha parece um sinal de mau agouro. Cruzando a sala de comando, aberta a essa hora, um oficial subalterno os acompanha na corrida, passando detalhes: “Uma aeronave não-identificada foi captada à 45 quilômetros a sudoeste, voando baixo e a uma boa velocidade, rumo sul. Não responde aos chamados do rádio, e mantém a rota. Bom vôo.”
“Obrigado Nilo! O dia começou bem!” quem responde é o Major R., correspondido pelo sorriso do companheiro, o Capitão M.
O Major R. dá um tapinha no ombro do Capitão, correndo para as aeronaves, dois AMX, previamente apontados para a pista. É a Operação Cruzex; uma ação conjunta de treinamento das Forças Aéreas dos países da América Latina. Os pilotos, claro, agem com o pensamento de que estão em uma guerra real.
Ao lado dos aviões, o Tenente W. chefia a equipe de pernoite dos mecânicos da base. Presta continência aos aviadores: “Bom dia senhor Major! Bom dia senhor Capitão! Tudo em ordem e pronto para decolar! Bom vôo, senhor!”
Correspondido o cumprimento, os oficiais sobem pela escada de acesso, sendo seguidos por dois especialistas, que fornecem os capacetes com as máscaras, e prendem os cintos nos pilotos, baixando em seguida o canopi e removendo a escada.
“Zero, Uno, Dois... testando.” O Major chama pelo rádio. “Três, Quatro, Cinco... alto e claro.” Responde o Capitão. Ambos retiram o pino de trava do pára-quedas e levantam o braço, mostrando ao Tenente, que faz sinal de positivo. Os motores são acionados, e as luzes acesas. Agora a torre de controle chama: “Caçador uno e dois, em posição para a pista uno oito. Taxiar e decolar quando prontos.”
“Copiado e ciente, torre. Caçador taxiando.” O Major responde, de pronto.
As duas aeronaves, equipadas com mísseis ar-ar e ar-terra, e duas metralhadoras .50, alinham-se na pista, na cabeceira 18, rumo sul. “Ala, toda potência à frente, sem flaps. Roger.” O Major comanda ao Capitão. “Copiado, à frente sem flaps. Roger.”
3:45 da madrugada. Dois caças AMX cortam o céu gaúcho, em direção ao sul. Suas luzes branca intermitente e verde e vermelha fixas rasgando o ar prenunciam próximo combate. Do cokpit, pouco se vê além de um borrão, e a sensação é de peso, literalmente. Respirar contra a pressão do ar é terrível, e é essa a impressão quando se tem uma máscara no rosto; o piloto tem de fazer força para literalmente “tragar” o ar para os pulmões. “Ala, bug estimado a su-sudoente, em 30 quilômetros. Subir para 10 mil pés. Roger.” Ao comando do Major, os dois caças levantam o bico para o alto, e sobem vertiginosamente. Nesse momento, os olhos parecem querer saltar das órbitas, e é necessário contrair toda a musculatura para que a força da gravidade não drene o sangue do cérebro, provocando a perda dos sentidos. A visão periférica se torna uma mancha, e é impossível levantar a cabeça.
Um tanto dramática a narrativa, mas é o mais próximo possível da realidade. Os aviões de caça possuem um perfil simétrico nas asas que não gera nenhuma sustentação, o que os obriga a voar exclusivamente pela força do motor. Suas velocidades mínimas são muito altas, e o gasto de combustível é enorme. Apesar de serem bem manobráveis, os aviões de combate requerem muito do piloto. Segundo o Major Brigadeiro L. N. Menezes, “O piloto de caça representa o mais puro dos combatentes individuais, mestre e navegador de um dos mais perfeitos e complexos produtos da moderna era Industrial Militar”.
Adolf Galland, Tenente General e Comandante-Chefe da Caça Alemã de 1939 a 1945, assim define a aviação de caça: “A caça, por definição, é uma arma de elite. Confiando a pilotos super selecionados aviões de preço quase incalculável, concebidos por engenheiros de gênio e executados por esmerados especialistas, criou-se um instrumento de extraordinária eficácia, mas também de extrema delicadeza. Instrumento afiado como navalha, que precisa ser utilizado por mãos ao mesmo tempo firmes e sensíveis”.
O voo PPA-002 se encerra com o Hino da Aviação de Caça do Brasil:
“Passei carnaval em Veneza/ Levando as bombinhas daqui./ Caprichei bem meu mergulho,/ Foi do barulho,/ O alvo atingi!/ E a turma da lá atirava;/ atirava sem cessar./ E o pobre do Jambock pulava,/ Pulava e gritava, sem desanimar, assim:/ Flac, Flac, este é de 40! Flac, Flac; tem .50!/ Um Bug aqui, um Bug ali,/ um Bug aqui, um Bug ali;/ Senta a Pua, minha gente, que ainda temos que estreifar!”
VOCABULÁRIO:
Traje anti-G = Vestimenta que se coloca sobre a roupa do piloto, extremamente ajustada, que se infla quando a força da gravidade fica muito forte, fazendo com que o sangue circule devagar, evitando assim uma desoxigenação no cérebro, e por conseqüência, a perca dos sentidos e mesmo o óbito.
Canopi = capota, geralmente de vidro temperado, que cobre a cabine do piloto, e serve de porta.
Taxiar = Movimentar a aeronave em terra.
Flap = Dispositivo hipersustentador que altera o perfil da asa, possibilitando velocidades mais baixas.
Cockpit = cabine do piloto.
Bug = Possível inimigo.
Jambock = Nome em código do esquadrão brasileiro da Força Aérea que lutou na Itália na II Guerra.
Flac = Bateria anti-aérea alemã.
Estreifar = Jargão militar entre os pilotos para “procurar possíveis alvos”.